A vivência do Druidismo dá-se no cotidiano, e embora muitas pessoas gostem, optem e mesmo sintam-se melhor ao fazê-los, não há necessidade de ritos quando cada gesto é um pequeno ritual que te conecta aos Deuses, aos antepassados e ao solo. Essa forma de encarar o mundo é a essência da minha prática druídica, e é sobre essa forma de estar conectado com o que muitas vezes ignoramos e que ainda precisamos aprender a enxergar que resolvi falar.
Desde o último texto, demorei quase três anos olhando para esse texto até que eu achasse em mim o que faltava transcrever aqui. Faltou nesse tempo, basicamente explicar uma coisa: na sua vivência druídica, estando você num momento de rito, solenidade, recolhimento ou simples caminhada diária, você será sempre um filho e um instrumento dos Deuses, de acordo com o comprometimento que decidiu ter com Eles. Jamais esqueça-se disso.
Leigos ou sacerdotes, curiosos ou estudiosos, todos podemos perceber diariamente quais são os desafios para tornar a prática da nossa fé e dos nossos estudos mais verdadeiros e significativos, cada um com as nuanças que lhe caibam. Cito aqui apenas alguns conselhos, não para seguir uma prática, mas para que descobrir a sua forma de vivenciar o Druidismo sem sucumbir ao pior de todos os obstáculos que encontrará pela frente: você mesmo.
Conheça a sua fé
A primeira coisa a fazer é compreender o que é o Druidismo, pois em meio a tanta informação que hoje podemos encontrar na Internet há também quem divulgue os maiores impropérios uma vez que hoje, mais do que nunca, para divulgar uma ideia basta estar conectado.
Existem um sem-número de vertentes druídicas no mundo, algumas que o encaram como religião, outras que o encaram como filosofia de vida e algumas, inclusive, veem os Deuses como manifestações arquetípicas do deus cristão, por exemplo. Essa é uma discussão complicada e geralmente mais problemática do que frutífera, e se você está começando a trilhar um caminho druídico eu te aconselho… não, eu te peço com veemência que estude e, principalmente, que não coloque a sua jornada sob a responsabilidade de outra pessoa que não de si.
Também não posso te dizer uma definição que abarque o que seja o verdadeiro Druidismo. Darei, então, uma definição ampla, simples e básica para reconhecer o que é e o que não é Druidismo de forma direta e clara segundo a minha vivência e de acordo com a vertente que eu pratico: a histórica. E ao ler minhas palavras a partir daqui, tenha em mente que tudo o que falo é baseado nessa vivência e na forma como o trilho o meu caminho com os Deuses. Se você pratica segundo outros preceitos, espero poder ajudar a enriquecer a sua prática falando da minha experiência.
O Druidismo é uma religião politeísta diretamente ligada à cultura celta, seus Deuses, suas histórias, suas lendas e seus valores. Sua prática remete-se a três pilares: os Deuses celtas (sim, apenas Eles), a Natureza e os antepassados, sejam eles de sangue, de fé ou todos os que já pisaram no solo em que estamos no momento.
Isso não te impede de ter uma excelente relação com Deuses de outros panteões ou conceitos que adicionarão à sua prática, mas essa relação se dá de forma paralela à vivência da fé em si. Afinal, poder você pode tudo, mas nem tudo o que você fizer poderá ser chamado de Druidismo, e nem deve até por respeito aos outros conhecimentos que adquira. Saber separar o que é a sua prática do que é a nossa fé é um exercício que trará uma melhor compreensão do que é cada uma das coisas que você estuda.
Como eu disse antes, existem muitos entendimentos do que seja o Druidismo. Converse com praticantes das mais diversas linhas, expanda seu círculo de conversas e mantenha a mente aberta por um lado e vigilante por outro. Não demorará a encontrar os charlatões e iludidos, mas ao mesmo tempo você encontrará pessoas com trabalhos seríssimos e com práticas maravilhosas, mas absurdamente diversas do que você tinha em mente no início (tenha sido ele há décadas ou a minutos) e nas quais você poderá reconhecer os Deuses em ação.
Conheça os Deuses
Essa é a parte mais simples, mas com escutei de um lama tibetano uma vez “o simples nem sempre é fácil”. Leia a respeito Deles, estude Suas histórias e lendas, mas procure sempre livros de qualidade, pois o que existe de livro ruim falando dos celtas é algo absurdo de impressionante! você pode acessar aqui a bibliografia indicada por esse site. Falaremos mais dos Deuses no próximo texto.
Honre seus antepassados
Em primeiro lugar, honrar não significa aplaudir de pé o que tenham feito. Olhe para os que vieram antes de você com a reverência que merecem e com o respeito que todos devem receber de ti, mas jamais esqueça-se do olhar crítico ao vê-los. Assim como você, eles foram humanos e erraram bastante, então eles não são apenas fontes de exemplos de sabedoria e virtude, mas um manancial de erros e acertos que podemos estudar, seja olhando para cada um em separado, seja analisando-os como um povo que viveu em outro tempo e sob uma outra realidade.
É importante reconhecê-los como um elo na longa cadeia de eventos que fez você estar aonde está e do jeito que é. É uma estrada imperfeita, que você hoje trilha com um grau maior ou menor de sucesso, mas é a sua estrada, e dos que vieram antes você precisa saber o seguinte:
- Daqueles que partilham o vínculo de sangue contigo, você traz a genética e a sua constituição física, bem como muito do seu jeito de ser. A eles você deve reconhecimento por cada inspiração que hoje em dia nos faz pensar num jeito ou noutro de cumprir nosso papel no meio em que vivemos e pelos valores que temos, sejam eles inspirados pelos seus feitos ou aprendidos com suas falhas.
- Àqueles que partilham o vínculo de fé contigo, sejam eles honrados ou charlatães, você deve repeito por terem fomentado, da forma correta ou errada que tenham conseguido, que cultura e a religião dos celtas conseguisse chegar aos dias de hoje e esteja ganhando cada vez mais substância graças à ciência que a pesquisa incansavelmente. Quanto ao que discorde apenas ajude a disseminar a informação o mais correta possível… e cure;
- Aos que pisaram no solo que hoje te sustenta e nutre você deve por um lado a gratidão por cada gota de suor derramada e cada gesto que o beneficiou e por outro a atenção para não cometer os mesmos deslizes ou mesmo atrocidades de tantos outros o maltratam. É necessário compreendê-lo para cuidar desse chão que, no momento em que você lendo, pulsa com uma energia imensa e está em cada detalhe do que te cerca, desde o plástico até a natureza que se entremeiam à nossa volta.
Conecte-se com a natureza
Esse é o momento em que quase todos os druidistas que conheci até hoje para em pensam imediatamente em ir para uma cachoeira, uma praia, ou algum lugar onde possam desfrutar de lugares maravilhosos e receber energia da natureza. Isso é fantástico! Faça isso sempre que puder! Mas não é dessa parte feliz que falarei. Afinal, é um texto sobre a prática diária, e não sobre os momentos de relaxar. No dia-a-dia você precisa estar atento à natureza com a qual você interage, e principalmente para quem mora na cidade isso pode ser torturante, mas o fato é que não deveria sê-lo.
Ao escolher trilhar o caminho druídico você está, necessariamente e independente da vertente que ache interessante ou de vê-lo como religião ou filosofia de vida, decidindo participar da cura deste planeta, de forma muito mais pragmática do que idealista. Por isso, e assim como o médico que estuda como tratar uma ferida infectada para limpar os vermes que comem a carne de um animal ferido a fim de promover a cicatrização daquele ferimento, convido você a realmente olhar por onde anda e ponderar a respeito do que vê para, em descobrindo os ferimentos, saber encontrar ou mesmo desenvolver meios de ajudar nesse processo.
Existe concreto demais à sua volta? Concreto é feito com partes de natureza, torcidas pela humanidade a fim de criar algo diferente do que encontramos no mato, mas ali também existe natureza. Descubra meios de suavizá-lo. Você nunca tinha se dado conta de uma árvore fraca no caminho por onde vai pra casa? Estude como fortalecê-la. Notou animais abandonados na região? Pesquise o que pode fazer. Às vezes uma mera postagem numa rede social pode salvar aquela vida e quem sabe ainda completar uma família, por exemplo. Notou alguém destruindo a região? Denuncie e cobre das autoridades atitude.
Muitas vezes você poderá fazer algo a respeito e, outras vezes, não. Quando não conseguir só, procure auxílio de outras pessoas e organize-se para que, na medida das suas possibilidades, você faça parte dessa mudança e, quem sabe, descubra-se mais completo enquanto caminha pela sua vizinhança ou mesmo pelas ruas de uma cidade que visita e onde, já sem perceber, pegou um pedaço de papel no chão e o jogou no lixo.
Entenda a natureza que te cerca, seja ela “orgânica” ou não, como manifestações divinas, e procure tornar o máximo que puder uma expressão Deles, sem atritos ou intolerâncias, apenas cura. Essa prática nos faz compreender que somos parte de um todo que vibra em conjunto e de formas tão diversas que sequer conseguimos imaginar, quanto mais controlar ou compreender.
Juntando tudo isso na sua prática diária
Os ingredientes da sua prática estão aí, todos acima, agora é a hora de darmos uma “receita de bolo” para facilitar o seu primeiro passo. E ela não poderia ser mais simples: não há uma receita de bolo. Os ingredientes estão todos aí, mas para uni-los é necessário estudo, reflexão e, principalmente, respeito. O que posso fornecer são alguns exemplos para que você possa começar a descobrir o seu jeito pois, assim como cada família e cada pessoa são diferentes, a sua prática também será diferente da de todas as pessoas que venha a conhecer, seja por um detalhe aqui ou ali, seja por uma imensidão de coisas.
Mantenha sempre os três pilares do Druidismo na sua mente, e você está num bom caminho para começar. Aos poucos, e ao passo em que se aprofunde em seus estudos, você descobrirá que alguns ajustes serão necessários e, à medida em que você mude, sua prática também mudará, uma vez que ela nada mais é do que uma expressão de ti. Ela será tão viva quanto você permitir que seja, tão maravilhosa quanto quiser torná-la e mesmo tão ressentida cruel quanto a trate com desprezo. Assim como costumo dizer a respeito dos altares, pense na sua prática como um ser vivo.
E falando em altares, eles serão um ponto importantíssimo da sua vivência. Eu falo deles nesses textos.
Pequenos atos de grande simbolismo
Ao construir… não, ao descobrir o seu jeito de estar com os Deuses ao seu lado no caminho, procure estar plenamente consciente do que esteja fazendo a cada momento do seu dia. Você logo perceberá a dificuldade, para não dizer a impossibilidade disso no mundo em que hoje vivemos, mas contente-se com pequenos atos de grande simbolismo.
O jeito de servir a comida, por exemplo: ao servir seu prato ou caso sirva o prato de alguém, esteja consciente não apenas do preço que a comida custou ou de onde está o prato para que o alimento não caia no chão, mas no ato de alimentar-se e na importância de estar com os outros que partilham deste momento. Esteja consciente do propósito da refeição, do motivo pelo qual você precisa alimentar-se e de que esse será o combustível para continuar a sua jornada nesse chão. Independente de você ser vegetariano ou carnívoro, saiba que você no mínimo mutilou vidas ou privou que uma nova vida surgisse, no caso de ovos e frutas, para que você continue a existir.
Aprenda o valor disso e a ser grato por cada grão, e entenda esse ato como o que ele é: você está angariando mais tempo nesse mundo, então aproveite sua refeição da melhor forma que puder e, sempre que possível, afaste-se de qualquer distração que não sejam os sons ao seu redor e, quem sabe, as vozes e os olhares de quem partilha esse instante contigo.
Nesses momentos em que você percebe o que está à sua volta e compartilha momentos com quem ou o que te cerque, em cada um desses momentos, está a sua prática druídica.